Estresse e Alterações CerebraisLuz no fim do túnel; vivências alteram o cérebro.| Neurociência | Temas Livres | Estresse | |
Até meados do século 20 acreditava-se que o número de neurônios era fixado no nascimento e permanecia estático durante toda a vida, entretanto, graças às pesquisas na área psiconeurológica sabe-se hoje que novos neurônios continuam sendo gerados no cérebro adulto de diversos animais, inclusive no ser humano. E o mais impressionante é que diversos fatores ambientais, entre eles o estresse, influenciam na reprodução dessas células nervosas.
Durante décadas a ciência discutiu, sem chegar a conclusão alguma, a importância do ambiente e/ou da constituição na causa dos transtornos emocionais. Havia partidários da tendência psicodinâmica, atribuindo prioritariamente às vivências o desenvolvimento dos transtornos psíquicos e, por outro lado, havia partidários da corrente organicista, os quais arrastavam para o orgânico a responsabilidade quase exclusiva das alterações emocionais. O bom senso recomendava uma visão organodinâmica para esta questão, uma síntese das duas anteriores.
As pesquisas sobre as influências do ambiente na reprodução de novos neurônios e na estrutura cerebral (plasticidade) podem representar uma luz no fim do túnel; vivências traumáticas são capazes de inibir a reprodução neuronal e alterar a forma e tamanho de estruturas cerebrais, principalmente do hipocampo. Isso significa que nossas vivências influenciam na estrutura e na função de nosso cérebro.
Mas qual a importância dessa reprodução de neurônios? Entre outras coisas conhecidas e muitas desconhecidas, sabe-se hoje que a depressão é marcantemente influenciada pela renovação de neurônios, ou neurogênese, como é chamada.
Pesquisas mostram como as vivências e fatores ambientais acabam interferindo na microanatomia, na estrutura e na função cerebral. Resumindo, isso quer dizer que o estresse prolongado, as tensões crônicas, momentos repetitivos de raiva, de ansiedade, podem modificar a estrutura do cérebro.
Não obstante e por outro lado, imagens do cérebro de pacientes deprimidas mostram uma diminuição de uma estrutura cerebral, o hipocampo. Estamos longe ainda de descobrir se foi o ovo ou a galinha que veio primeiro; se a depressão determina alterações no hipocampo ou se são estas que determinam a depressão. Os novos conhecimentos são cada vez mais impressionantes.
É certo que a exposição ao estresse tem um papel importante no desenvolvimento da depressão, no entanto, os mecanismos envolvidos nesta relação ainda são pouco conhecidos. Neurologicamente há evidências sobre a participação do hipocampo no desenvolvimento da depressão, e o estresse parece ser um importante fator na a diminuição da neurogênese. Conseqüentemente, o estresse e a inibição da neurogênese são importantes fatores no desenvolvimento da depressão.
Depressão, Antidepressivos e Neurogênese
Nas palavras de Sâmia Joca, o hipocampo anteriormente descrito como "aquela belíssima estrutura encefálica à procura de uma função", já tem muitas funções neurais atribuídas a ele. Seja qual for sua "função", um grande número de evidências farmacológicas, morfológicas, eletrofisiológicas e moleculares mostra que o hipocampo é alterado pela exposição ao estresse significativo e parece ter um papel importante nos efeitos dos tratamentos antidepressivos.
O hipocampo (veja a figura) era tradicionalmente relacionado à memória e aprendizagem, mas, pesquisas mais recente associam essa estrutura cerebral às respostas ao estresse e à neurogênese. Dentro desta linha de pesquisa se constata que o estresse pode causar alterações plásticas no hipocampo, as quais incluem alteração nos dendritos dos neurônios e inibição da neurogênese. Fechando hipóteses, sabe-se também que a depressão e os efeitos dos antidepressivos também têm sido associados à inibição e estimulação da neurogênese respectivamente.
Para facilitar o entendimento, é bom ter em mente que a função cerebral sadia precisa da neurogênese. Voltando ao hipocampo, muitos trabalhos mostram associação entre depressão e alterações cerebrais estruturais, notadamente no hipocampo. Segundo estudo bem elaborado por Lupien e col., a atrofia do hipocampo observada na depressão seria decorrente dos níveis elevados do cortisol, produzido pelas supra-renais durante o estresse. Coerentemente, está cada vez mais evidente que os antidepressivos podem prevenir a atrofia do hipocampo, bem como aumentar a neurogênese, principalmente se seu uso for crônico.
Estudos de Sheline e colaboradores sobre a imagem cerebral também mostraram haver uma diminuição do volume do hipocampo em mulheres idosas com depressão, comparado com mulheres sem depressão e da mesma idade. Novamente constata-se que a perda de neurônios e a diminuição ou inibição da neurogênese deve-se a uma neurotoxicidade causada pela liberação excessiva do cortisol pelas glândulas supra-renais durante o estresse. Esse aumento na liberação cortisol está fortemente relacionado aos episódios de depressão recorrentes.
Três anos mais tarde, completando essa linha de pensamento, o mesmo grupo de pesquisadores relatou que a atrofia hipocampal presente nos pacientes com depressão se relaciona mais com a duração da doença do que com a idade dos pacientes (van Riedel, 2003).
Em relação aos antidepressivos, também se estuda os efeitos desses medicamentos sobre o fenômeno da neurogênese. Em 2000, Malberg e colaboradores mostraram que o tratamento com antidepressivo aumentou a neurogênese na região do hipocampo de ratos. O mesmo efeito não se observa com o uso de antipsicóticos. No ano seguinte esses resultados foram corroborados por Czeh e colaboradores. Nesse sentido, há fortes evidências de que os antidepressivos são capazes de aumentar a maturidade dos neurônios, assim como também a proliferação e sobrevida dos mesmos.
Até o momento, os resultados das pesquisas são sugestivos de forte associação entre a diminuição de neurogênese e a depressão. Pode-se ainda cogitar sobre a diminuição da neurogênese preceder a depressão, aumentando a vulnerabilidade da pessoa às vivências estressoras ou mesmo modificando a capacidade adaptativa da pessoa ao ambiente (Scorza e colab., 2005). Por outro lado, esses estudos sobre neurogênese não invalidam outros fatores envolvidos na depressão, como por exemplo, a genética, os neurotransmissores, hormônios, estressores psicossociais e outros.
Para referir:
Ballone GJ - Estresse e Alterações Cerebrais - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br , revisto em 2008.
Czeh B, Michaelis T, Watanabe T, Frahm J, de Biurrun G, Van Kampen M, et al. Stress-induced changes in cerebral metabolites, hippocampal volume, and cell proliferation are prevented by antidepressant treatment with tianeptine. Proc Natl Acad Sci USA. 2001;98(22):12796-801.
Eriksson PS, Perfilieva E, Bjork-Eriksson T, Alborn AM, Nordborg C, Peterson DA, et al. Neurogenesis in the adult human hippocampus. Nature Med. 1998;4(11):1313-7.
Gould E, Tanapat P, McEwen BS, Flugge G, Fuchs E. Proliferation of granule cells precursors in the dentate gyrus of adult monkeys is diminished by stress. Proc Natl Acad Sci USA. 1998;95(6):3168-71.
Joca SRL, Padovan CM, Guimarães FS - Estresse, depressão e hipocampo, Rev. Bras. Psiquiatr. vol.25 suppl.2 São Paulo Dec. 2003
Lupien SJ, De Leon M, De Santi S, Convit A, Tarshish C, Nair NPV, Thakur M, McEwen B, Hauger R, Meaney MJ. Cortisol levels during human aging predict hippocampal atrophy and memory deficits. Nature Neurosci 1998;1(1):69-72.
Malberg JE, Eisch AJ, Nestler EJ, Duman RS. Chronic antidepressant treatment increases neurogenesis in adult rat hippocampus. J Neurosci. 2000;20(24):9104-10.
Scorza FA, Guerra ABG, Cavalheiro EA, Calil HM - Neurogênese e depressão: etiologia ou nova ilusão?, Rev. Bras. Psiquiatr. vol.27 no.3 São Paulo Sept. 2005
Sheline YI, Wang PW, Gado MH, Csernansky JG, Vannier MW. Hippocampal atrophy in recurrent major depression. Proc Natl Acad Sci USA. 1996;93(9):3908-13.
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Entre outras coisas, neurônios se reproduzindo significa que a deterioração natural dessas células com a idade pode ser minimizado. Aqui revisamos a relação entre a neurogênese e a depressão e, se a neurogênese está solidamente relacionada ao desenvolvimento dessa doença, então interessa saber o que pode influenciar esta atividade orgânica. Tem sido demonstrado que o processo de neurogênese no cérebro sofre forte influência de uma grande variedade de estímulos (Scorza e col., 2005).
A desnutrição pré-natal produzida por privação protéica, por exemplo, altera bastante a neurogênese pós-natal na região do giro dentado em animais de laboratório e esse processo parece ser definitivo, persistindo mesmo com a recuperação nutricional.
A diversificação dos estímulos e a variedade de solicitação adaptativa também aumentam a atividade neurogênica em camundongos, comparando-se aqueles que viviam em ambientes complexos com aqueles que viviam em gaiolas de laboratório.
A epilepsia do lobo temporal (provocada em laboratórios pela pilocarpina) mostrou aumentar a neurogênese do 3º ao 14º dia depois do episódio convulsivo, assim como, analogamente, há aumento neurogênico depois da eletroconvulsoterapia.
Também aumenta significativamente a neurogênese do hipocampo a injeção intraventricular de ácido caínico, resultando na proliferação de células na região do giro denteado de ratos, bem como também se observa aumento neurogênico no período após a isquemia cerebral.
Outro fator relacionado ao aumento da neurogênese é o efeito do estrogênio, o qual estimula a produção de neurônios na região do giro dentado em ratas adultas. Esse aumento ocorre naturalmente durante o ciclo hormonal e também em situações de reposição hormonal.
Os exercícios físicos aumentaram a proliferação neuronal na região do giro dentado de camundongos adultos e a diabete foi relacionada à diminuição neurogênica. Este mesmo estudo sugeriu que esta diminuição estaria ainda relacionada com o déficit cognitivo observado nestes animais.
A administração aguda e crônica do etanol, assim como processos inflamatórios, são circunstâncias capazes de reduzir a neurogênese no giro dentado de ratos.